HISTÓRIA DAS CIRURGIAS PLÁSTICAS
Este texto é um capítulo do meu livro sobre cirurgia estética ocular, feito para meus pacientes e que recebeu uma quantidade de leitura maior do que o esperado no kindle unlimited.
As modificações corporais se iniciaram antes mesmo de a humanidade começar a registrar sua história com a escrita. Existe um homem mumificado, encontrado por um casal de alpinistas nos Alpes entre a Itália e a Áustria, rebatizado de Ötzi, que possui 3500 anos de idade, vestia roupas complexas para o frio e foi morto por uma flecha em seu ombro esquerdo. Este homem possui 61 tatuagens e os lóbulos das orelhas perfurados. Não se sabe o motivo das tatuagens e se ele realmente utilizava brincos. Algumas múmias egípcias um pouco mais recentes também possuem tatuagens.
Diversas tribos, atuais ou da antiguidade, praticavam modificações corporais: os chineses enrolavam os pés de suas filhas para que eles se deformassem ao crescer, fazendo com que elas andassem com passos mais delicados; nos Andes Peruanos, alguns crânios apresentam-se com formas ovais e alongados superiormente devido a amarrações feitas na cabeça dos bebês; e, na Tailândia, meninas são submetidas a usar pesados anéis de metal para aumentar o tamanho do pescoço, achatando os ossos dos ombros e dando a impressão de que os pescoços são mais longos.
Modificações corporais alteram os laços interpessoais, fazendo com que a pessoa sinta-se pertencendo a um determinado grupo. Além disso, mantém a sensação de casta social mais fixa. Uma modificação corporal extrema não pode ser escondida. Da mesma maneira que são únicas, elas demonstram que o nascimento ou o nicho social do indivíduo está definido.
A mesma coisa aconteceu com as tatuagens até as últimas gerações. De marinheiros a membros de gangues, da nobreza aos xamãs tribais, algumas tatuagens demonstravam exatamente quem era quem dentro da sociedade. Hoje em dia a tatuagem é somente uma expressão artística na maioria dos casos, mas no século passado, nobres, como o último Czar, Nikolai Romanov, utilizavam tatuagens como souvenires de viagens para terras distantes (ele possuía um dragão em seu braço, feito no Japão); a imperatriz Elisabeth, da Áustria, tatuou uma âncora em seu ombro em uma viagem para a Grécia. No século dezenove e início do século vinte, tatuagens eram relativamente comuns tanto na população de classe baixa quanto na nobreza.
O termo “cirurgia plástica” vem do grego plastikos que quer dizer “modelar” (mesma origem do material plástico), embora alguns procedimentos estéticos e reconstrutivos sejam mais antigos que a própria medicina como ciência. Por exemplo, por volta do século VI, onde hoje é a Índia, era comum os inimigos vencidos serem estigmatizados com a mutilação de seus narizes, assim, cirurgiões começaram a desenvolver técnicas reconstrutivas nas quais se fazia um recorte na testa de formato mais ou menos triangular e rodavam esse recorte para baixo aproximando as bordas na testa e “fabricando” uma estrutura parecida com um nariz para disfarçar a mutilação. Uma variação dessa técnica (chamada hoje de retalho indiano) é utilizada até hoje para reconstrução de nariz, devido a doenças como câncer ou traumatismos graves.
A evolução das técnicas cirúrgicas foi lenta até o advento da anestesia, quando mais pessoas começaram a ter coragem de operar. Inicialmente as cirurgias plásticas eram reparadoras, depois, com a melhora das técnicas, é que as cirurgias plásticas estéticas começaram a evoluir.
A cirurgia plástica moderna é uma resposta aos graves danos causados pela Primeira Guerra Mundial. Sir Harold Gillies é um médico neozelandês que durante a guerra atendeu vítimas de grandes deformidades, desenvolvendo técnicas de enxerto e de rotação de tecidos, sobre as quais a cirurgia plástica reconstrutiva moderna se baseia até hoje. Junto com seu parente distante, Archibald McIndoe, e um cirurgião dentista, Valadier, estudou, na prática, maneiras de conseguir cobrir extensas áreas perdidas ou queimadas, comuns em guerras de trincheira: a rotação de tecidos, procedimento no qual um pedaço de pele e tecido subcutâneo é mantido com sua vascularização original e “rodado” para onde é necessário; e o enxerto, que é a retirada de material de um lugar para recobrir outro. Na volta à Inglaterra no entreguerras, Gilles inaugurou uma ala de cirurgia facial no Hospital Militar de Cambridge e depois, durante a Segunda Guerra, como criador da ala de cirurgia reconstrutiva do Serviço Médico de Emergência, realizou mais de onze mil cirurgias em cinco mil soldados submetidos a danos faciais graves. Vale ressaltar que este é um período anterior ao uso atual de antibióticos. A Segunda Guerra Mundial fez com que Sir Harold Gillies e Sir Archibald McIndoe estudassem a fundo queimaduras, ocorridas principalmente em pilotos de avião. Gillies foi também um precursor das cirurgias plásticas estéticas e, em 1946, realizou a primeira cirurgia de redesignação social de feminino para masculino em um estudante de medicina.
McIndoe era um cirurgião brilhante e carismático com uma capacidade grande de tratar não somente a parte física das vítimas da guerra, mas também é lembrado por se preocupar imensamente com a questão psicológica da reconstrução facial e das expectativas do paciente. Ele era visto passeando pelas ruas e frequentando pubs na companhia de seus pacientes em fase de recuperação, com seus enxertos, retalhos e tubos pediculares (pedaços de pele envolvendo tecidos que saem de seus locais iniciais de vascularização até o local de enxerto) de suas cirurgias — uma visão não muito comum. Vítimas de queimaduras e de deformidades causadas por armas de fogo e estilhaços acabavam se isolando da sociedade e tendo um índice alto de suicídios. Propositadamente, Archibald McIndoe lidava com seus pacientes de uma maneira inusitada na época, mesmo se tratando do diretor de um hospital militar, onde a hierarquia deveria ser cumprida, “o chefe” (apelido de McIndoe dado pelos pacientes e enfermeiras) não fazia questão de nenhuma formalidade, e lidava pessoalmente com os funcionários, pacientes e seus parentes. Os pacientes de McIndoe se chamavam irreverentemente de “clube das cobaias” (“guinea pig club”), no qual exibiam suas cicatrizes e cirurgias de forma jocosa, auxiliando a recuperação em um ambiente de camaradagem e de autoaceitação.
A partir dos conhecimentos de Gillies e de seus sucessores, cada vez mais cirurgiões começaram a utilizar essas técnicas para manipular a aparência de pessoas “saudáveis”, cirurgias na época muito caras e realizadas apenas pela elite muito rica e astros de Hollywood. Nos anos 40, iniciou-se a era das rinoplastias (cirurgias do nariz) e os “lifts” faciais. Atualmente qualquer área do corpo pode ser manipulada esteticamente.
História da Oculoplástica
No Egito antigo e na Babilônia já existiam algumas descrições de cirurgias simples nas pálpebras; na idade média, os árabes Ali Ibn Isa e Albucasis já descreviam tratamentos para ptose (pálpebra baixa), excesso de pele na pálpebra e inversão dos cílios para dentro dos olhos. Ali Ibn Isa al Kahhal é considerado pela história o primeiro oftalmologista e, em seus “cadernos oftalmológicos”, nos quais descreve a anatomia dos olhos e do nervo óptico e quase uma centena de doenças, cita algumas correções estéticas das pálpebras.
Nos séculos 18 e 19, vários cirurgiões foram responsáveis por evoluções na maneira que as pálpebras são operadas, a maioria deles são lembrados até hoje nos epônimos de técnicas cirúrgicas e de equipamentos. Porém, como explicado acima, a Primeira e Segunda Guerra Mundial foram responsáveis por grandes avanços na cirurgia plástica reconstrutiva e, por consequência, na cirurgia estética. No início dos anos 60, as sociedades de cirurgiões plásticos começaram a surgir e a cirurgia plástica ocular se tornou uma subespecialidade entre a oftalmologia e a cirurgia plástica geral. No Brasil, em 1974, surge o Centro Brasileiro de Cirurgia Plástica Ocular que depois se torna a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Ocular, uma sociedade sem fins lucrativos, afiliada ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
Eduardo H Strobel von Linsingen
Comentários
Postar um comentário