MÍDIAS DIGITAIS
Escrevendo um artigo sobre os perigos das mídias sociais para uma revista online de literatura à qual eu participo; eu me deparei com estudos alarmantes sobre saúde mental e o uso de mídias sociais e eletrônicos portáteis.
A revista Histórias de Lugar Nenhum é um esforço coletivo de vários autores de variadas escolas dentro da literatura que escrevem sobre um tema comum com um texto de até 600 palavras. O tema da revista é O Lado Perigoso da Internet e minha coluna é sobre o perigo médico dos eletrônicos portáteis.
Na estatística mundial, uma criança/adolescente passa de 1 a 7 horas diárias diante da tela de aparelhos eletrônicos portáteis, dependendo do estudo. O Brasil é conhecido pelos estudantes de marketing digital como o país de maior consumo de mídias sociais do mundo, portanto nosso tempo de uso talvez seja muito maior do que o mundial.
Da mesma maneira que democratizou o conhecimento e diminuiu a diferença social do acesso à cultura, a internet criou um fenômeno único no mundo: o consumo passivo e constante de conteúdo inútil e descartável. Somos campeões mundiais de “rolagem ociosa” pelas mídias sociais.
DANOS DOS ELETRÔNICOS PORTÁTEIS
Dano oftalmológico: Quando somos crianças e adolescentes nossa retina em adaptação associada à neuroplasticidade faz com que nosso cérebro interprete que boa parte do tempo nossa visão está sendo direcionada para objetos próximos a nossa visão, o foco periférico da retina estimula algumas substãncias químicas que fazem com que o comprimento do nosso olho aumente, fazendo um estímulo miopizador.
A luz azul dos eletrônicos portáteis está sendo estudada como geradora de estresse oxidativo que são reações químicas que liberam radicais livres gerados pela “queima” de oxigênio e são provavelmente os responsáveis pelo envelhecimento e outras doenças - no caso oftalmológico as degenerações de mácula. Nosso corpo possui um sistema de proteção com relação ao estresse oxidativo (antioxidantes) porém muitos estudos estão sendo produzidos para avaliação real desse risco. Temos que lembrar que existe um viés empresarial nestes estudos cujo objetivo pode ser estimular a venda de complexos vitamínicos e antirreflexos protetivos nos óculos, os chamados “filtros de luz azul”
Outro dano do uso dos eletrônicos portáteis são os vários distúrbios de sono: nosso sono é regulado pela quantidade de luz que nossos olhos captam, como espécie diurna somos programados neuro quimicamente para acompanhar a rotina diária, nos sentindo mais dispostos quando temos luz solar e sentindo sono quando o sol baixa no horizonte. A maneira com que a nossa retina capta e processa as informações está relacionada ao comprimento de onda da luz azul em correlação com a luz solar. Aqui, sim, os filtros de luz azul são importantes - embora não bloqueie todo o espectro azul e não seja completamente eficiente, o uso desse filtro e a troca da iluminação fria por luzes mais quentes e amareladas ajudem nesse controle da insônia não é um controle perfeito.
Cefaleia: Evoluímos como caçadores-coletores, nossos olhos não evoluíram para manter-se focalizados em um único objeto a uma distância fixa. Por isso diversas síndromes acomodativas (acomodação é a capacidade de focalizarmos objetos a diferentes distâncias) e o cansaço visual é comum com o uso de eletrônicos portáteis. Associa-se a isso uma posição fixa e baixa de pescoço e a ansiedade e comportamentos obsessivos relacionados á internet e temos a causa de dores de cabeça contínuas.
Depressão, ansiedade e agressividade em crianças: crianças e adolescentes que utilizam frequentemente as mídias sociais têm maior probabilidade de se tornarem mais agressivos e ansiosos. A depressão e a ansiedade são mais comuns em adolescentes e jovens adultos em contato frequente com as mídias sociais e os idosos tendem a se tornarem mais isolados e terem mais problemas de memória.
O consumo de mídia descartável e curta acaba gerando alteação no fluxo de alguns neurotransmissores e alteram a nossa reação com relação à sensação de realização de tarefas. A constante verificação sobre a validação de conteúdo postado, a necessidade de “likes”, respostas e visualizações gera ansiedade e mesmo que o conteúdo postado gere uma grande aceitação, isso gera uma ansiedade ainda maior com relação ao próximo conteúdo. As mídias sociais, o consumo de vídeos curtos e a “cultura do like” cria no cérebro das pessoas descargas de neurotransmissores relacionados à recompensa de curto período como no cérebro do viciado.
Nomofobia é a sensação de estar longe do celular e a possibilidade de perder acesso a informações em tempo real, crianças e adolescentes citam um excesso de tédio quando não estão consumindo a mídia constantemente.
Obesidade: Aqui a correlação é mais direta, o celular é um fator de sedentarismo. Aliado a quantidade de “junk food” e nosso modo de vida moderno, inclusive crianças com biotipo normal estão se tornando hipertensas, tendo problemas de colesterol e outras doenças cardiovasculares
Dos problemas gerados pela internet considero um dos mais assustadores a perda da capacidade de concentração. Quando aumentamos a quantidade de estímulos e de conteúdo, temos dificuldade de focar em apenas uma tarefa. Durante o dia todo temos ao alcance das mãos um aparelho que pode ser utilizado para comunicação, estudo, entretenimento, etc. e por causa disso tendemos a dispersar de tarefas que nosso cérebro considera mais chatas para ocuparmos nossa atenção com outro tipo de estímulo. Os filmes estão sendo substituídos pelas séries, as séries pelos vídeos curtos, e o tempo inteiro estamos nos distraindo de nossos afazeres (mesmo o contato humano real) para checar nossos telefones. Este distanciamento social e esta baixa capacidade de concentração são, em maioria, responsáveis pela epidemia de depressão infanto-juvenil e pela queda do desempenho escolar.
O algoritmo das mídias sociais é gerado para garantir a maior quantidade de tempo no programa, e assim ele é programado, conscientemente ou não para entregar “cargas de dopamina” intermitentemente, onde é muito fácil pular de uma informação para outra, o esforço é mínimo e não é exigido nenhuma forma de concentração ou retenção de memória. Essas descargas irregulares de dopamina são semelhantes às que ocorrem no cérebro de um viciado em substâncias ou em apostas. E as pessoas acabam retornando para uma nova dose repetidamente.
A internet tem possibilidades maravilhosas: qualquer tema pode ser estudado virtualmente de graça, qualquer assunto pode ser discutido, e todas as pessoas do globo podem se comunicar umas com as outras. As possibilidades pedagógicas da internet são infinitas; porém, o uso “ocioso” dessa ferramenta é maléfico, ainda mais entre uma população jovem em fase de desenvolvimento neuro-comportamental.
Nem vou entrar no mérito que algoritmos que podem bloquear ou espalhar mensagens escolhidas é a maneira que quatro ou cinco companhias podem influenciar as escolhas da população à respeito de seus governos e ajudar a “escolher” as votações de maneira irregular.
Quando postei em uma mídia social (sim, eu entendo a ironia) sobre estes meus textos e o blog, algumas pessoas vieram me aconselhar a utilizar estes textos como roteiro para a realização de vídeos e divulgar meu trabalho como médico, e elas não estão erradas - vídeos tem uma capacidade de entretenimento maior que a mídia escrita e um alcance maior para expor a marca e o trabalho no mundo online.
Porém, estamos perdendo a capacidade de leitura de um lado e do outro lado essa cultura de consumo de conteúdo está homogeneizando todo o conteúdo criativo da internet. Hoje para possuir uma marca virtual precisamos seguir o algoritmo, criar conteúdo em abundância e cercear nossa criatividade para que nosso trabalho seja “de consumo rápido e fácil”.
Assim, ao servir o algoritmo criado por um punhado de empresas que recolhem a atenção de milhões de pessoas em cima de um conteúdo excessivo e diluído, acabamos homogeneizando a nossa presença virtual. A busca pelo próximo conteúdo viral, pela quantidade de likes e de seguidores ao contrário do que imaginamos não concentra a atenção de muitos sobre o nosso trabalho, dilui essa atenção entre o excesso de pessoas utilizando-se das mesmas fórmulas para conseguir os mesmos objetivos.
Escrevo isso como alerta para que os pais brinquem com jogos físicos com seus filhos e os incentivem a ler livros ou quadrinhos; aproveitem para descobrir e estimular habilidades naturais das crianças como o desenho ou a musicalidade. Como adultos, devemos meditar sobre a quantidade de tempo inútil que passamos em um mundo virtual que desaparece poucos segundos após desligarmos a tela do celular sem acrescentar nada a nossa evolução. Não podemos aceitar passivos a redução pela metade do QI médio da população, que caiu pela primeira vez desde que começou a ser mensurado. Não devemos admitir que nossos filhos sejam cooptados por esta fábrica de cretinos digitais.
Eduardo H Strobel von Linsingen
Extremamente importante as suas observações. Parabéns pelo texto, por sua contribuição à informação e, pela coluna na revista.
ResponderExcluirmuito obrigado! quem sabe um dia eu traga as outras colunas da revista para cá também
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